Perda
de Memória
Muito se tem comentado e discutido sobre a revolução
que a fotografia digital está causando.
De um lado os “tradicionais, puristas ou até mesmo
ultrapassados” como costumam chamar os do outro lado, que
são os “modernos, avançados ou digitais”
simplesmente.
Quando o Luiz, nosso presidente, me pediu para escrever um artigo
sobre a Fotografia Digital, fiquei pensando muito tempo sobre
o que escrever. Nesse período chegamos a fazer algumas
palestras sobre essa nova tecnologia e percebi mais uma vez a
grande confusão que ela está fazendo no mundo fotográfico.
O que era eterno e garantido, parece que de repente foi tudo mudado.
Até os valores dos equipamentos, que mesmo usados mas em
bom estado, ainda valiam muitos reais, isso está mudando.
Afinal, quem vai querer uma Canon, Nikon ou uma outra câmera
convencional qualquer? Até o nome, convencional, já
é pejorativo.
Assim fiquei pensando e analisando muito antes de iniciar esse
artigo. E essa introdução toda é para dizer
que não vou falar de pixel, resolução ou
histograma. Nem Kb, Mp, CCD ou JPG.
Como esse é um clube de fotógrafos, acredito que
tem um assunto muito mais importante para ser comentado, discutido,
criticado e debatido: a questão da memória fotográfica.
O
que mais me preocupado com a popularização das digitais
é essa questão. O que vai acontecer com essas imagens,
virtuais, que estão a todo instante sendo produzidas? Onde
essas imagens (nem vou chamar de foto ainda) estão sendo
guardadas, armazenadas?
Memória Familiar
Acredito
que para a imensa maioria, a fotografia é mais um registro
histórico e familiar. É um documento de identidade
familiar, onde as futuras gerações conhecerão
os hábitos, as pessoas, os parentes, enfim, a vida regressa
da família.
Quem nunca passou minutos, até horas, folheando fotos antigas,
amareladas, buscando em cada detalhe, em cada cena, uma informação
sobre seus antepassados, sobre a vida de seus pais e avós?
Quem nunca ficou indagando os “mais velhos” sobre
os personagens e os lugares retratados nas fotografias guardadas
em caixas de sapato?
Mas
agora temos as digitais. Que estão sendo armazenadas em
HDs de microcomputadores, em CDs, CDRs, CDRWs, ou, para os mais
modernos e avançados (tecnologicamente e financeiramente)
em DVDs.
E
esse é meu receio. É tudo virtual, é tudo
não palpável sem energia elétrica, sem um
equipamento de exibição, sem uma interface.
Para
demonstrar como esse assunto é sério, vou criar
umas cituações.
1.
Você está lá remexendo no baú de coisas
antigas de sua família e, entre as fotos P&B, todas
muito bem conservadas, você encontra uma lata de um rolo
de filme tipo de cinema, aparentemente 8mm ou Super8. Começa
a desenrolar o filme e nos fotogramas consegue visualizar a cena
de um casamento. Pela data escrita na etiqueta quase apagada você
percebe que deve ser o casamento de seus pais. E você nem
sabia que isso existia!!! Conversando com eles, confirma que são
realmente cenas do casamento, que um tio mais abastado fez para
eles. Mas como eles nunca tiveram um projetor de cinema, você
nunca viu essas imagens. E como você vai vê-las hoje?
2. Seu pai se lembrou que um amigo fez a conversão do filme
para uma fita de vídeo-cassete, embora na sua casa ainda
não tinha esse aparelho. Isso foi na década de 70
ou 80, ele não se lembra bem. Remexendo nesse baú,
você encontra a fita e, feliz, vai correndo ao vídeo-cassete,
que quase foi aposentado depois que você comprou o DVD.
Ao abrir a caixa da fita, estranhou o formato: não cabia
no vídeo. Uma inscrição o deixou na dúvida:
Betamax - Sony. O que é isso?
3. Retornando ao mesmo baú, você acabou encontrando
uns disquetes 5¼”. Você se lembra que anos
atrás, no entusiasmo de uma nova tecnologia e usando um
“scanner” de um amigo, digitalizou dezenas de imagens
de sua turma (as fotos não eram suas) e as gravou em formato
JPG nesses disquetes. Você até se lembra de umas
cenas, da ida ao estádio de futebol, do carrão do
seu amigo etc. Pensou em rever as imagens, mas onde tem um microcomputador
que lê os “disquetões” de 5¼ ”?
Esses
são uns exemplos fictícios que muito bem mesmo poderiam
ter acontecido, apesar da raridade das situações.
Mas acredito que essa nova tecnologia, a fotografia digital, vai
levar muitas, mas muitas pessoas mesmo, a sentir essa perda de
seu histórico familiar.
Como
disse no início, atualmente os meios mais comuns de arquivar
essas imagens são os CDs, em todas as suas variações,
e mais raramente, ainda pelo preço, em DVDs.
Mas da mesma forma que o filme Super8, o formato Betamax da Sony,
o disquete 5¼ ”, o CD vai acabar um dia. Aliás,
a própria Sony já confirmou que no meio deste ano
está deixando de produzir os “drives” de CD,
ou seja, os leitores de CDs dos microcomputadores. E a Sony é
a maior fabricante desse periférico. E sabe o porque ela
vai deixar de produzir? Por que o leitor de DVD, que também
lê CD, já está no mesmo preço de custo.
Então para que produzir um equipamento de leitor de CD,
se pelo mesmo valor, tenho um leitor de CD e DVD?
Só
que isso me leva a pensar nas novas tecnologias que virão
por aí nos próximos anos. Será que não
vai aparecer um novo padrão de DVD, incompatível
com o CD? Ou uma “esfera holográfica” que terá
a capacidade de armazenar terabytes de informações
em seu interior?
E aí, anos depois de você já ter enviado seu
DVD de 4 geração ao sistema de reciclagem municipal,
percebe que tem dezenas de CDs com imagens retratando anos de
sua vida e de sua família mas que nunca foi impresso em
papel fotográfico. Centenas ou milhares de imagens virtuais,
que não podem ser mais acessadas.
De uma forma ainda pior que a descoloração das fotografias
ou do envelhecimento das P&B, esse registro histórico
está lá, conservado (sem entrar no mérito
da vida útil do CD ou DVD), mas inalcançável.
Já
escutei alguns especialistas dizendo que a nossa geração,
apesar dos maiores avanços tecnológicos, será
uma geração sem memória, pois todos os registros
familiares não serão acessíveis sem um equipamento
próprio para isso. A não ser instituições
e entidades que armazenarão suas imagens em sistemas continuamente
atualizados, a grande maioria da população sofrerá
com o sucateamento tecnológico.
Solução tradicional
Qual
é a solução, você já deve estar
me perguntando.
Além de ir continuamente e sacerdotamente fazendo back-ups
e “upgrades” nas mídias, acredito que ainda
a melhor opção para você guardar suas lembranças,
tanto das fotos dos aniversários, como das viagens anuais
de férias, como as fotos dos familiares ou seus “artísticos”
é ainda levar os CDs num minilab e pedir cópias
10x15 cm.
Mesmo que os papeis fotográficos coloridos tenham uma vida
estimada de 25, 35 ou, quem sabe, 50 anos, é melhor ter
uma imagem desbotada do que uma virtual na mão.
Nada melhor que um álbum fotográfico rodando numa
mesa junto com copos de cerveja (ou refrigerante para os não
alcoólicos) e batatas fritas.
Não precisa de bateria, luz-solar ou energia elétrica.
Aceita até umas gotas da cerveja em cima, ou um copo de
água derramado, sem perder a classe. São visualizadas
sem perca de tempo ou minutos da Internet...
E seus filhos poderão vê-las, quando remexerem no
baú e acharem os seus álbuns nas caixas de sapatos!
Ailton
Tenório
Fotógrafo Publicitário
Consultor em Imagem Comercial e Professor de fotografia convencional
e digital
Utiliza equipamento digital a mais de 4 anos.
www.tempo-t.com.br